
Você reparou nas louças que usei dia desses? Fiquei tão encantada que até postei nas redes sociais. São xícaras, pires e pratos de bolo. A estampa traz bolsas, sapatos e vestidos. Lindas! Bem femininas. Tenho há anos. Ficam encaixotadas. Só saem para brilhar em ocasiões especiais. Ou não. Dessa vez, ganharam protagonismo porque eu queria enfeitar a tarde da minha família. Para compor, passei um cafezinho. também servi um bolo de banana. Preparei enquanto a casa estava silenciosa e todos tiravam um cochilo.
Imagino que você esteja aí pensando em voz alta:
– Quanta bobagem! O que muda na vida dessas pessoas se a louça é antiga, nova, bonita ou feia?
Na verdade, essa conversa não é sobre as louças, nem sobre o bolo. É sobre o que está por trás do gesto. Está naquilo que mora no detalhe. Nas pequenas coisas que passam despercebidas na rotina. É sobre tomar um fôlego e, no meio da pressa do dia a dia, botar reparo naquilo que quase ninguém nota.
Rubem Alves já escreveu sobre isso. Para ele, “a beleza não está nas coisas, mas no modo como as vemos.” Ou vai me dizer que você nunca reparou no baile da folha que caiu do alto da mangueira? Tem também aquele ninho de beija-flor que o vento insiste em derrubar e que sempre tem alguém para recolar no galho. E, no meu caso, tem aquele dinheiro que certamente vai me fazer falta, mas que gastei sem pestanejar para comprar aquela xícara de peitos que era o meu objeto de desejo.
– Para que diabos serve uma xícara com peitos?
Uai, serve para trazer alegria à minha vida. Olha o detalhe aí de novo. Uma pena que tenha gente que não perceba, que só acredite num mundo de grandes feitos, de conquistas gritadas, de anúncios em caixa alta.
Mas, ânimo: há também quem veja além do óbvio. Há quem pare. Há quem escute o silêncio entre uma palavra e outra e perceba que ali mora uma verdade.
Denise, minha irmã do meio, é um bom exemplo. Só se sente plenamente feliz quando rega suas plantas. Tem a ver com o tempo que ela dedica a algo que não lhe exige nada em troca. Ou seja: o pequeno não é menor. O pequeno é o que sustenta. Um bilhete esquecido na bolsa. Um “bom dia” dito com o olho. Um cheiro que lembra a infância. Um abraço que não resolve, mas acalma.
O mundo nos ensina a correr, mas é no passo lento que a vida se revela. Porque o que é grande demais não cabe na alma. Mas o que é pequeno, ah, esse cabe no bolso, no coração, na memória.
Essa prosa toda me devolveu uma coleção de lembranças. Do filme “Dias Perfeitos”. Tem também uma crônica da Leila Ferreira, na qual ela fala sobre o fenômeno do boom de venda das panelas pequenas, das travessas miúdas e das tigelinhas que mal cabem um tomate. O crescimento da venda desses itens deixou no passado as travessas imensas da macarronada de domingo. Mais uma vez (olha eu aqui sendo repetitiva), não é sobre a macarronada, mas sobre o encolhimento da convivência, do desencontro das famílias e dos amigos. Nem faz tanto tempo assim, nessas panelonas imensas vinha mais que alimento; vinha afeto. Hoje, o sentimento encolheu. É para poucos.
No fim das contas, talvez a felicidade não esteja em ter mais, mas em ver melhor. Em apreciar o pôr do sol, em comer sem pressa, em assistir a um filme que nos convida a pensar sobre o mundo em que vivemos e sobre o papel que escolhemos ocupar nele.
A propósito, Dias Perfeitos, disponível na Netflix, conta a história de um limpador de banheiros públicos no Japão. Alguém invisível para a maioria, mas que celebra, com delicadeza, a beleza das pequenas coisas. Ele descobriu que a cura dos males da vida pode estar nos gestos simples, aqueles que carregam magia, humanidade e silêncio.
É nesse lugar que mora o sentido das coisas. No detalhe que quase ninguém vê. No poder das coisas pequenas: uma música boa, um abraço demorado, um café servido com afeto.
A vida não pede palco. A vida boa é sussurrada. Conquistar o mundo talvez não nos leve a lugar algum. Mas reparar no que já está ao nosso redor — isso sim — pode nos devolver o que há de mais precioso: o encantamento.






