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O mistério das coisas perdidas

De vez em quando sinto falta de uma peça de roupa. Um vestido verde que eu amava, que me caia muito bem. Isso lá pelos meus 25 anos. Uma saia caqui que eu amava e que sumiu misteriosamente. Tem ainda o macacão preto risca de giz, a saia de couro caramelo…

– Estão todas no buraco negro, Gisele!

Sim. Buraco negro é como chamamos o lugar para onde vai tudo o que some aqui em casa. Esse tal buraco, além de roupas, acumula uma infinidade de anéis, brincos, sapatos, bolsas, livros, meias e o que mais couber.
Por falar em meias, compro pelo menos um par por semana. É usar, colocar na máquina para lavar e depois dizer adeus. Nunca mais serão vistas. Somem como se tivessem pernas próprias. A exceção fica para quando aquelas que entram em pares e saem solteiras E lá vem tumulto caso alguém pergunte que fim levou o outro pé. Vira pecado mortal. Ninguém sabe, ninguém viu e muito menos ouviu falar.
A coisa só piora quando encontro o objeto perdido.

– Você também não acha nada. Nem procura direito e já está reclamando.

Até admito que às vezes (tá bom, na maioria das vezes) tenho preguiça de procurar. Por outro lado, a verdade é que o tal buraco negro existe mesmo e mora na minha casa. É como se fosse um universo paralelo. Ou seria um similar ao Triângulo das Bermudas, que, no caso das meias, está localizado entre a gaveta da cômoda e a área de serviço?
E o que dizer dos óculos que desaparecem misteriosamente até que alguém, de forma constrangedora, aponta em sua direção.

– Estão na sua cabeça.

E o controle remoto que se camufla feito um ninja, se escondendo entre as almofadas e travesseiros? E o que dizer das facas, garfos e colheres que simplesmente somem da gaveta, apesar de estarem ali há décadas? Nem mesmo São Longuinho, com seus três pulinhos, tem dado conta de tanta coisa sumida.
Estou começando a desconfiar que há uma conspiração silenciosa entre os objetos que povoam a nossa casa. E se todos se uniram e desapareceram só para testar a minha sanidade?

Por falar em sanidade, a minha foi colocada à prova no último fim de semana. E tudo por causa de um jogo de cortadores de legumes. Levo esses utensílios pra onde vou. São uma mão na roda na cozinha: descascam com perfeição, fatiam com elegância e fazem cortes à julienne dignos de chef.

Na hora de viajar, tirei da gaveta, coloquei em uma sacola de supermercado e, supostamente, juntei aos outros itens indispensáveis em fins de semana que prometem: vinho, castanhas e afins. Tudo certo. Até que chegou o domingo.

Na hora de preparar o almoço, cadê os cortadores? Procurei em todos os lugares possíveis e imagináveis. E se eu esqueci a sacola em cima da pia e ela foi descartada no lixo? No auge do desespero, mandei mensagem pedindo a quem ficou para trás que revirasse o lixo (sim, o lixo) à procura dos meus queridos cortadores. Nada foi encontrado.

Na terça-feira, já de luto pelos objetos supostamente perdidos, recebi uma mensagem da Gilda: os cortadores estavam na geladeira. Dentro de um saco com rúcula.

Pensando aqui com meus botões: talvez os cortadores não tenham desaparecido por acaso. Quem sabe os objetos somem quando não somos mais os mesmos? Aquela meia que desapareceu talvez não combine mais com quem me tornei. O controle remoto se esconde para me alertar que ando precisando me desligar de verdade. E a tampa do pote de vidro? Talvez tenha ido embora junto com aquela promessa de dieta que nunca começou. A cirurgia está aí para provar (melhor abafar esse caso). E os cortadores que se perderam de mim dentro do saco com rúcula?

Se for assim talvez a casa tenha virado espelho do meu caos pessoal. Pode ser que cada coisa fora do lugar revele algo em mim que também precisa ser encontrado. Ou quem sabe o que se perde talvez não queira ser achado. Pode ser um toque do Anjo da Guarda para me alertar que estou viva, que sou imperfeita, que estou em constante mudança. Dito isso, ando pensando que em vez de me estressar devo apenas sorrir quando lembrar do sumiço do vestido verde, da saia caqui, da saia de couro caramelo, de tudo o que saiu de cena sem aviso. Porque talvez aquele pé de meia descasado seja só a vida me dizendo que nem tudo precisa fazer sentido para ter valor. Vai saber, né?

 

GISELE BICALHO é jornalista e escritora
@gisele.bicalho22

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