Há movimentações e protestos políticos que, por serem precipitados, acabam servindo mais como presente para os adversários do que como ataque efetivo. Um exemplo foi a atuação do deputado federal Eduardo Bolsonaro que, sob o patrocínio do pai, Jair Bolsonaro, se mudou para os Estados Unidos e, de lá, passou a articular sanções do governo Trump contra autoridades brasileiras e, pior, contra o próprio país, como a taxação de 50% sobre alguns produtos nacionais exportados para os EUA — medida que, em algum momento, pode gerar desemprego no Brasil. Atitude comparável a um sequestro, já que o governo norte-americano condicionou a retirada das sanções e tarifas à absolvição de Jair Bolsonaro no processo em que ele é réu — entre outros crimes — por tentativa de golpe de Estado, sem ainda sequer haver condenação até o momento.
Presente para os adversários II
Eduardo e Jair, porém, não calcularam que, ao mesmo tempo em que consolidariam suas posições junto à extrema-direita, provocariam a subida de Lula nas pesquisas de intenção de voto para presidente, bem como o crescimento da avaliação positiva de seu governo. Lula, forjado no sindicalismo e acostumado à negociação entre trabalhadores e patrões, entre classes populares e elites, recebeu um verdadeiro presente para se reposicionar numa disputa que parecia perdida (sua tentativa de reeleição no próximo ano). Passou a ser a voz da defesa da soberania nacional e um dos principais articuladores, entre vários países também taxados por Trump, do multilateralismo — já que o tempo em que nações como o Brasil se comportavam como colônias dos Estados Unidos ficou para trás, apesar de alguns políticos da extrema-direita parecerem desejar o contrário.
Presente para os adversários III
Algo semelhante aconteceu nesta semana em Montes Claros, quando um grupo de manifestantes de extrema-direita foi à Câmara Municipal protestar contra os vereadores de esquerda Iara Pimentel (PT) e, especialmente, Daniel Dias (PCdoB), que vêm criticando duramente as medidas impostas pelos Estados Unidos contra o Brasil a pedido dos Bolsonaro. Iara e Daniel têm origem no movimento estudantil, migraram depois para o sindicalismo na área da educação (ambos são professores) e sempre militaram em partidos de esquerda. Iara iniciou no PCdoB e depois ingressou no PT; Daniel sempre foi filiado ao PCdoB.
PRESENTE PARA OS ADVERSÁRIOS IV
Iara Pimentel se projetou para a política após liderar, junto a outras professoras, a ocupação do gabinete do então prefeito Humberto Souto, reivindicando melhorias para a categoria. Já Daniel Dias ganhou definitivamente destaque público quando, ao lado do então vereador Lipa Xavier (PCdoB), liderou a chamada “Revolta do Meio-Passe” — que ocupou o hall de entrada da Prefeitura de Montes Claros no fim do governo Athos Avelino, em 2008. Antes disso, já era conhecido por ter presidido o Diretório Central dos Estudantes da Unimontes.
PRESENTE PARA OS ADVERSÁRIOS V
Quando se ocupa a Câmara Municipal com cartazes e faixas dizendo que Iara e Daniel são de esquerda, comunistas, contra Trump e Bolsonaro e a favor de Lula, imaginando prejudicá-los politicamente, o efeito prático é fortalecer o discurso que eles mesmos defendem. É certo que, após a repercussão na mídia, muitos jovens eleitores progressistas ou simpatizantes da esquerda, que talvez não acompanhassem tão atentamente o noticiário local, passarão a vê-los como opção de voto em futuras eleições. É o mesmo que aconteceria se movimentos sociais de esquerda fossem protestar na Câmara para chamar, por exemplo, a vereadora Carol Figueiredo (PL) de direitista ou bolsonarista: seria exatamente o tipo de visibilidade que ela gostaria de ter.
Presente para os adversários VI
É evidente que há liberdade de manifestação no Brasil — e isso só existe em países democráticos, pois em lugares como Estados Unidos e Argentina esse direito vem sofrendo forte repressão policial. As pessoas podem se manifestar sobre o que quiserem, desde que não cometam crimes previstos na Constituição. Porém, antes de organizar um ato, é fundamental refletir se a ação realmente prejudicará politicamente os alvos ou, ao contrário, os beneficiará. No caso, Daniel e Iara, pela linha política que seguem, saíram muito fortalecidos junto à parcela do eleitorado que pretendem representar.
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Pecê Almeida Júnior é jornalista e publicitário.





