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A pata da onça

Igreja Nossa Senhora da Conceição, Matias Cardoso – Foto: Acervo Pessoal

No fundo, a pata da onça é a lembrança de que a política, como a vida, não é feita apenas de ouro e mineração

A história de Minas Gerais é feita de dureza, coragem e também de esperança. Voltar o olhar ao início do século XVIII, no Norte de Minas, é perceber como tudo começou em meio ao sertão do São Francisco, com nomes que ainda hoje carregam força: Matias Cardoso, Maria da Cruz — a mulher que liderou o motim de 1736 —, o Porto do Salgado, que mais tarde se fez Januária, e o Brejo do Amparo, que já foi cidade e hoje resiste como distrito.

São marcos de um povo que aprendeu a lutar pelo que acredita, muitas vezes sem apoio, guiado apenas pela fé e pela necessidade de sobreviver.

Na imaginação, vejo-me subindo o aclive de Morrinhos, atual cidade de Matias Cardoso, em direção à igrejinha de Nossa Senhora da Conceição. O sol castiga, o caminho é árduo, mas cada passo carrega a lembrança de quem abriu veredas naquele chão. O medo de bichos e da solidão do sertão sempre rondava, mas a fé fazia o povo persistir. Naquele tempo, a religião era o ponto de encontro, o espaço comum, ainda que simples e distante, mas que dava sentido à comunidade.

Minas são muitas; são Gerais
A Igreja de Nossa Senhora da Conceição, que teve seu início em 1660 e foi solenemente inaugurada em 8 de dezembro de 1695, impõe-se como um dos primeiros marcos de fé e civilização no sertão mineiro. Em meio às lonjuras de Morrinhos, sua presença rompe o isolamento do sertão e anuncia a força da religiosidade como elemento de coesão social.

De paredes espessas e firmes, feitas de adobe e pedra, sustentando um altar austero em madeira, a igreja se ergueu como sinal de permanência, num tempo em que tudo ao redor parecia transitório. Sua imponência não vinha de adornos excessivos, mas da coragem de se manter de pé diante da vastidão do sertão e das distâncias que separavam famílias, fazendas e povoados.

A igreja guarda, ainda hoje, um segredo no chão: a marca de uma pata de onça. Símbolo forte, sertanejo, que lembrava a todos que a vida ali também era feita de perigo e vigilância.

Mas a marca não era só ameaça — era também sinal de resistência, da convivência entre o homem e a natureza, e da memória gravada na terra.

Essa pata da onça, impressa no barro, é também metáfora do poder: pode ser força de proteção, mas pode ser, também, sinal de domínio e medo. Assim é a história política do nosso sertão — por vezes suave e agregadora, mas em outras, dura e predatória. Cabe ao povo decidir se a marca que deixamos será lembrada como opressão ou como construção coletiva.

No fundo, a pata da onça é a lembrança de que a política, como a vida, não é feita apenas de ouro e mineração. É feita de chão, de povo, de memória e de gado. É nela que se reconhece o passado, mas onde também se encontra a coragem para seguirmos em frente.

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